Bastidores da gravação da campanha 'Mães Atípicas'. (Foto: Ellen Albuquerque)
Texto: Vitor Ilis
Quando a médica lhe entregou uma pasta com laudos e disse que seu filho tinha uma síndrome genética associada ao autismo, Alessandra Cáceres se viu diante de um universo desconhecido. “Foi como se o mundo abrisse ali e eu entrasse num buraco, porque eu não sabia nem o que era o autismo”, recorda. O diagnóstico do filho mais velho, Gabriel, foi o início de uma jornada desafiadora e profundamente transformadora.
Neste primeiro episódio da série “Mães Atípicas”, produzida pela Defensoria Pública de Mato Grosso do Sul, Alessandra compartilha sua história de luta e amor por Gabriel, hoje com 17 anos, e por Sara, sua filha de 14 anos, que também tem autismo. A cada etapa, novos enfrentamentos, barreiras invisíveis e muitas conquistas.
“Eu planejei uma vida, uma situação. E me deparei com uma realidade da qual não tinha ideia do que era. Eu amo, eu cuido, eu ensino, mas muitas vezes não sou vista, nem lembrada”, relata.
A invisibilidade, inclusive, é uma das marcas comuns entre as histórias das chamadas mães atípicas – mulheres que enfrentam, diariamente, a falta de políticas públicas adequadas, diagnósticos tardios e a luta constante por respeito e acesso à educação e saúde de qualidade.
Durante a entrevista, a defensora pública Débora Maria de Souza Paulino, então coordenadora do Núcleo de Defesa da Criança e do Adolescente (Nudeca), explica que a maioria das demandas chega por meio das mães.
“Sabemos que muitas vezes essa educação que é proporcionada não é da melhor forma que essa criança tem direito. Então, quando isso acontece, muitas vezes as mães nos procuram para que a gente possa tomar as medidas para garantir que os direitos das crianças sejam respeitados”, afirma.
Alessandra lembra com clareza os três anos em que Gabriel não saía do carro. “Você sabe o que é ir a qualquer lugar e seu filho não descer do carro?”, questiona. Em outra lembrança, relata a fala de uma professora que, aos cinco anos do menino, disse que ele não faria nada da vida. Mas Gabriel surpreendeu a todos. “Quando ele se formou no nono ano e entrou na colação, foi como se fosse uma formatura mesmo. Ele nunca entrava. Foi uma conquista que não tenho palavras.”
Sara, por sua vez, apresenta outro perfil. Tem autonomia, mas enfrenta dificuldades para lidar com as emoções. “Ela escreveu ‘mamãe’, fez um coração e escreveu ‘te amo’. E o Gabriel assinou o nome dele. Foi o melhor Dia das Mães que tive”, emociona-se Alessandra.
Para Débora, essas mães representam um pilar de resistência. “Muitas vezes são mães que além dos cuidados, além de ter que tomar todas as medidas em prol dos seus filhos, também precisam trabalhar para garantir o sustento da família, também precisam estudar. Então essas mães realmente precisam ser valorizadas pela nossa sociedade.”
Ao final da conversa, Alessandra deixa um recado para outras mães: “Acreditem, existe o laudo, sim. Mas não fiquem presos a esse papel. Nossos filhos podem ir muito além.”
Série “Mães Atípicas”
A série produzida pela Defensoria Pública de MS busca dar visibilidade às histórias reais de mães atendidas pela instituição. São mulheres que enfrentam, diariamente, a ausência de políticas públicas, mas que seguem em frente com coragem, reivindicando o direito à inclusão, ao respeito e à justiça para seus filhos e filhas.
O termo “mãe atípica” refere-se a mulheres que criam filhas, filhos, netas e netos com deficiências, síndromes raras ou transtornos do neurodesenvolvimento, como o Transtorno do Espectro Autista (TEA). Essas mães enfrentam desafios únicos e muitas vezes lidam com sobrecarga emocional e física, além de dificuldades no acesso a diagnósticos e tratamentos adequados para seus filhos. A maternidade atípica exige uma constante adaptação e luta por inclusão e respeito, tanto no âmbito familiar quanto na sociedade em geral.