Texto: Carla Gavilan
Mais que registrar o nome que tanto deseja ter nos documentos, Henrique Dias Araújo fez o cadastro de interesse no atendimento TRANSformando Histórias, da Defensoria Pública de MS, motivado por um sonho maior.
“Quero registrar meu filho. Ele tem dois anos e ainda não tinha dado certo de alterar o meu nome para colocar na certidão de nascimento dele, porque são muitos papeis, os valores são altos. Quando vi a notícia já fiz minha inscrição. Hoje são dois sonhos sendo realizados aqui. Eu e minha família estamos muito felizes”, conta o pai orgulhoso, que detalha um pouco da vida de uma pessoa trans.
“Antes da paternidade eu não sentia tanta necessidade de mudar meu nome porque aqui em Campo Grande quase todo mundo me conhece por Henrique e eu não ligava mais para as situações chatas de identidade com meu nome antigo. Mas quando meu filho nasceu, se tornou algo importante, a gente renasce realmente com a chegada de um filho e eu estou renascendo, minha história muda aqui hoje”, afirma o assistido.
O caso dele foi e o de muitas outras pessoas foi registrado no mutirão especial desse sábado (4), “TRANSformando Histórias - retificação de nome e gênero”, organizado pelo Núcleo de Direitos Humanos (Nudedh) da Defensoria Pública de MS, em Campo Grande, em parceria com o Ministério de Direitos Humanos, do Governo Federal; a Associação dos Notários e Registradores de MS (Anoreg/MS), Defensoria Pública da União (DPU), Centro Estadual de Cidadania LGBTQIA+, da Secretaria de Estado de Cidadania (SECIC), Secretaria Municipal de Saúde (Sesau) e MPE/MS.
A campanha foi lançada em abril com a divulgação de um formulário, fornecido pelo número oficial do Nudedh (67 9265-7323) para preenchimento da pessoa interessada fazer a retificação de nome e não possui recursos para pagar as taxas.
“Organizamos esse atendimento porque, com a nova lei estadual n.º 6.183 de 26 de dezembro de 2023, desde o mês de abril de 2024, pessoas travestis e transexuais que não têm condições financeiras de pagar pela mudança de nome cartório, poderão fazer parte desse serviço gratuitamente. Com a divulgação e essa ação especial, queremos promover o acesso à justiça, à dignidade, respeito, tolerância e cidadania por meio desse avanço legislativo do nosso Estado”, detalha a coordenadora do Nudedh, defensora pública Thaisa Raquel Defante.
Na segunda fase da iniciativa, a Defensoria Pública de MS entrou em contato com cada pessoa interessada para informar a respeito do atendimento.
“Hoje chegamos, enfim, ao dia de receber todas e todos que precisam desse serviço para conhecê-los pessoalmente, repassar as orientações necessárias e encaminhar as solicitações. Além de tudo, é um momento muito especial de conhecer e ouvir as histórias que estamos ajudando a transformar”, comenta a coordenadora do Nudedh, defensora pública Thaisa Raquel Defante.
NOVAS HISTÓRIAS
E cada história ouvida teve a sua particularidade. Mariana dos Santos espera há muitos anos para alterar o nome. Com a certidão de nascimento em mãos, quer voltar a frequentar o posto de saúde do seu bairro.
“Eu não gosto de ir lá e ser chamada pelo meu nome, fico com vergonha, porque a gente tem que ter muita coragem para enfrentar essas coisas. Chamam o nome e começam as risadas, as piadas, fico com vontade chorar ou fazer coisas ruins. Então, toda vez que estou doente, eu fico em casa, com medicamentos caseiros, sem estar doente já é difícil passar por essa situação, imagina com febre, indisposta”, relata a dona de casa, que também deseja voltar a estudar e trabalhar fora.
“Eu gosto de ter meu dinheiro e, com o nome arrumado conforme a pessoa que eu realmente sou, eu vou ter tranquilidade de buscar um emprego e fazer um EJA”, afirma a assistida de 21 anos.
Aos 50 anos, Adryan Camargo lemes Cipriano solicitou atendimento da campanha para encerrar um ciclo importante em sua vida.
“Farei, em breve, a retirada das mamas e quero ser visto conforme meu nome. Tenho nome social, mas não funciona, infelizmente as pessoas não respeitam, ignoram e fazem com que a gente passe por constrangimentos, te olham feio. Ainda existe muito preconceito. A correção do meu nome será um marco, um capítulo novo. Uma nova história”, garantiu.
SAÚDE
Os atendimentos no sábado tiveram a atuação da coordenadora do Núcleo da Fazenda Pública, Moradia e Direitos Sociais (Nufamd), defensora pública Regina Célia Magro; da gestora de Projetos e Convênios, Renata Leal; servidoras e servidores da Defensoria Pública.
A ação teve a presença, ainda, da coordenadora do Núcleo da Cidadania do MPE, Clarissa Carlotto Torres, e ofertou também testes rápidos para identificar IST's, oferecidos pela Sesau, e orientações quanto ao uso do PrEP (Profilaxia Pré-Exposição).
“Foi um encontro relevante com essas pessoas para reforçarmos, também, os serviços da Defensoria Pública de MS oferecidos por meio dos núcleos especializados, como o NAS, Nudem, Nucrim, Nuccon, dentre outros. Recebemos, por exemplo, várias dúvidas sobre o fornecimento de tratamento hormonal pela rede pública. Na Defensoria, trabalhamos com essa questão como um medicamento qualquer, no núcleo de Atenção à Saúde, e é uma demanda importante para o trabalho coletivo, por ser a busca pelo serviço que nos alerta se a disponibilização está boa ou se existe falta de algum tratamento. As pessoas trans têm as suas especificidades em saúde e assim precisam ser atendidas e trabalhadas”, pontuou a coordenadora Thaisa Raquel Defante.
O dia de atendimento da campanha TRANSformando Histórias teve a participação, ainda, da coordenadora do Centro Estadual de Cidadania, Gaby Antonietta, que levou um varal solidário com roupas e calçados para a unidade e ofereceu orientações sobre os serviços oferecidos à população LGBTQIA +, com foco no atendimento à população trans de Campo Grande.