Segunda subdefensora-geral, Lucienne Borin; defensor-geral, Pedro Paulo Gasparini; defensora Thaís Sagin; e primeiro subdefensor-geral, Homero Medeiros. (Foto: Beatriz Magalhães)
Texto: Carla Gavilan
Uma pesquisa inédita da Defensoria Pública de Mato Grosso do Sul, apresentada na noite dessa terça-feira (5), mostra que, dos 162 partos realizados em Bonito, 149 foram cesáreas e apenas 13 por via normal.
O levantamento, intitulado “Boas Práticas de Atenção ao Parto Humanizado”, ouviu parturientes atendidas pelo Hospital Darci João Bigaton, de setembro de 2022 a setembro de 2023. Está previsto no Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado entre a Defensoria Pública do Estado, o Ministério Público, o Hospital e o Município de Bonito, com a proposta de implementar melhorias no atendimento à gestação e ao parto.
“Queríamos saber como é nascer em Bonito e, hoje, temos uma pesquisa importante para guiar a criação de políticas públicas efetivas para as pessoas gestantes da nossa cidade. Esse levantamento evidencia a relevância e grandiosidade do SUS na vida das mulheres e o quanto ele precisa oferecer um atendimento focado no bem-estar delas, pautado em evidências científicas”, destacou a defensora pública idealizadora do estudo, Thaís Roque Sagin Lazzaroto enfatizando que menos de 2% das mulheres que participaram do levantamento declararam ter feito pré-natal na rede privada.
Idealizadora da pesquisa, defensora pública Thaís Roque Sagin Lazzaroto, titular da 2ª Defensoria de Bonito. (Foto: Beatriz Magalhães)
Defensor-geral, Pedro Paulo Gasparini. (Foto: Beatriz Magalhães)
O evento ocorreu na Casa da Memória Raída, em Bonito, com a presença do defensor público-geral, Pedro Paulo Gasparini; o subdefensor público-geral, Homero Lupo Medeiros; a segunda subdefensora pública-geral, Lucienne Borin; as mulheres que participaram da pesquisa com suas famílias, a comunidade local, gestoras e gestores públicos e demais autoridades.
“É o resultado de um trabalho importante e para as pessoas mais importantes ainda, que são as nossas assistidas. Momentos como este, de conversa, de apresentação de resultados, com a presença de vocês, com suas famílias, fazem com que muitas pessoas passem a conhecer seus direitos e, a partir daí, a buscá-los. Neste ano, observamos um aumento nos atendimentos da Defensoria de MS e queremos chegar ainda mais longe, para levar a todos o acesso à justiça”, frisou o defensor-geral.
O estudo buscou identificar os procedimentos e condutas adotados durante o pré-parto, parto e pós-parto com um questionário apresentado às mulheres atendidas pelo Hospital Darci João Bigaton, em parceria com a Secretaria de Saúde de Bonito/MS, preenchido após o parto e de forma voluntária.
Pesquisadores Matheus Quirino e Fellipe Porto, que atuam na Coordenadoria de Pesquisa e Estudos da Defensoria Pública de MS. (Foto: Danielle Valentim)
“No âmbito sociográfico, a pesquisa almejou construir, através do levantamento de dados, um perfil das mulheres atendidas pelo Hospital Darci João Bigaton. Assim, identificamos que a maioria das mulheres entrevistadas é negra, brasileira, possui entre 15 e 29 anos e estava, em grande parte, na primeira ou segunda gestação. Elas provêm, na maioria dos casos, de união estável, possuem residência própria, são donas de casa e têm, principalmente, o ensino médio completo”, explica o pesquisador da Coordenadoria de Pesquisa e Estudos da Defensoria Pública de MS, Matheus Quirino.
O pesquisador Fellipe Porto detalha que o estudo possuía um espaço de identificação para que cada resposta correspondesse a uma pessoa diferente, o que totalizou 162 mulheres.
“O levantamento foi pensado e elaborado com ramificações diferentes para a pesquisa de dados específicos sobre cada fase da gestação e, subsequente, parto. Assim, as perguntas seguem uma sequência para identificar como foi o processo de atendimento e de aconselhamento no pré-parto, durante o parto e no pós-parto de cada respondente”, pontuou.
Para a secretária municipal de Saúde, Ana Carolina Colla, os esforços entre as instituições já resultam em avanços. "Dentre todos os problemas que registramos quando foi assinado o TAC, conseguimos perceber que já houve grandes melhorias. Estamos comprometidos em buscar melhorias para as nossas mulheres”, disse no evento.
O promotor de Justiça, Alexandre Estuqui Júnior, destacou: “Sabemos que temos alguns problemas, a pesquisa demonstrou isso, e sabemos que quem procura o hospital público são pessoas que não podem buscar outro centro de atendimento”, disse no evento.
Defensora durante apresentação. (Foto: Beatriz Magalhães)
Cesárea x Normal - Conforme a apresentação da defensora pública, dentre as principais informações apuradas pela pesquisa está a via de parto realizada.
“Muito embora 85,80% das mulheres tenham respondido que receberam orientações de como se preparar para o parto, esse dado não condiz com o índice de partos normais que ocorreram no período da pesquisa, que corresponde a menos de 10%”, diz Thais Sagin, ao se referir às 149 cesáreas contra os 13 partos normais registrados.
A defensora pontua que a quantidade indica uma discrepância entre os números global, nacional e local no que se refere ao índice de nascimento de partos normais e cesarianas.
“De acordo com a OMS, a taxa de cesarianas em nível mundial corresponde a 21% dos nascimentos, 43% na América Latina e no Caribe, e 56% no Brasil. Durante o período da nossa pesquisa, Bonito registrou 91,98%, um índice alto de cirurgias cesarianas que vai contra as indicações de práticas ao parto humanizado recomendadas pela OMS. A organização recomenda, cada vez mais, a diminuição das intervenções médicas desnecessárias”, afirma.
A pesquisa também mostra uma divergência entre o desejo de parto das mulheres no início da gravidez e o procedimento realizado no momento do parto. Ao serem indagadas, 54,94% das mulheres desejavam realizar cesariana e 45,06% queriam parto normal. Porém, a realidade é que, no momento do parto, 91,98% das mulheres acabaram realizando cesariana e apenas 8,02% normal.
O evento ocorreu na Casa da Memória Raída, em Bonito. (Foto: Beatriz Magalhães)
Relatos - A última questão do questionário abordou as parturientes sobre alguma sugestão de como o hospital poderia melhorar o atendimento à gestante. Nesse quesito, os agradecimentos se destacam à instituição e aos profissionais, principalmente no momento do parto e no pós-parto. Muitas mulheres relataram se sentir gratas pelo atendimento e deixaram registrado o esforço dos profissionais, mesmo quando acontecia algum imprevisto.
Desinformação - A desinformação sobre o procedimento de parto, uma forma de violência obstétrica prevista em lei, também se mostrou elevada, principalmente sobre cirurgia cesariana e os seus riscos. 40,12% das mulheres alegaram que não obtiveram informações em nenhum momento da gestação e não entendiam os riscos da cirurgia cesariana.
“Apenas 9,87% das mulheres realizaram alguma atividade durante a gestação relacionada à violência obstétrica ou parto humanizado. São indicativos que demonstram que as mulheres não estão sendo devidamente orientadas para que possam tomar decisões informadas”, afirma a defensora.
Visita ao Hospital - 44,45% das entrevistadas não receberam a informação sobre a possibilidade de poderem visitar o hospital antes do parto para receberem informações dos protocolos e orientações, de acordo com o estudo.
Plano de Parto - “Um ponto importante na pesquisa é o baixo índice de mulheres que realizaram um plano de parto. 81,5% delas não o fizeram e, como a grande maioria realizou o pré-natal no serviço público, mostra-se um descompasso de informações sobre a realização do plano de parto junto às orientações realizadas pelas mulheres durante o pré-natal”, explica a defensora pública.
Apenas 14 (8,64%) mulheres alegaram ter recebido ajuda de médicos ou enfermeiros na elaboração do plano de parto. “Quando considerado o parto humanizado, a importância do plano de parto é essencial, já que é nesse espaço que a mulher tem a possibilidade de preencher as informações sobre como gostaria que fosse a realização do procedimento de parto, registrando suas vontades e tornando-se protagonista durante o parto, informações obtidas na caderneta da gestante”, diz a idealizadora da pesquisa, defensora Thais Sagin.
Consentimento - A pesquisa chama atenção para os procedimentos enfrentados durante o parto pelas mulheres. Conforme os dados, 7,41% das entrevistadas alegaram ter sofrido procedimentos sem seus consentimentos ou sem explicação sobre a necessidade deles.
Doula - A presença de uma doula durante o parto no hospital também mostrou uma falha de orientação na gestação e no pré-natal. 30,25% das mulheres disseram que desconheciam o direito de ter uma doula, enquanto 66,66% não tiveram ou não quiseram.
Métodos Contraceptivos - “Quando perguntadas, 72,22% das mulheres alegaram que nenhum método contraceptivo foi oferecido após o parto. Das que tiveram métodos contraceptivos oferecidos, percebe-se uma adesão de 88,88% das mulheres a métodos variados, como laqueadura, DIU, ACI, entre outros. Observando o alto índice de adesão, percebe-se uma falha na ampliação da oferta a todas as outras gestantes dentro do hospital. Isso traz graves repercussões no que diz respeito ao planejamento familiar e reprodutivo dessas mulheres”, reforça a defensora.
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Defensor-geral, Pedro Paulo Gasparini. e o coletivo Mães de Bonito. (Foto: Beatriz Magalhães)