Texto: Carla Gavilan
Do período em que esteve em situação de rua, Paulo*, de 43 anos, tem lembranças difíceis, como o do medo da violência, solidão e desamparo. Há poucas semanas fora desse contexto, ele buscou atendimento da Defensoria Pública de MS no mutirão realizado em Campo Grande para conseguir a segunda via do RG, documento que lhe faz muita falta no dia a dia, desde que foi roubado.
“Fui para a rua devido ao exagero em bebida alcoólica e ali encontrei muitas pessoas iguais a mim. Recebi uma vaga para o Centro Pop e tive encaminhamento para tratamento, fui melhorando lentamente, consegui voltar a conversar com a minha família e depois fui contratado para trabalhar de serviços gerais e passei a pagar um quarto para dormir. Tive de dormir na rua, consegui sair, mas precisei de apoio para isso. É muito triste não ter para onde ir”, relata emocionado.
E por estar em busca de informações de pessoas nessas condições que o Núcleo Institucional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos (Nudedh) dialoga com várias instituições e organizado eventos voltados a pessoas em situação de rua de Campo Grande, como o realizado no dia 10 de novembro em parceria com a Associação Águia Morena, Consultório na Rua, Sesau, CTA, Defensoria Pública da União (DPU), Funtrab; INSS; projeto Mãos do Bem; Sejusp, dentre outras.
A coordenadora do Núcleo dos Direitos Humanos da Defensoria Pública, Thaisa Raquel Defante, informou ao Campo Grande News que a ação é importante para levar os direitos a quem não consegue chegar até os locais. “Muitas vezes esse público não consegue ir até a defensoria ou à Funtrab (Fundação do Trabalho), e hoje estão com a oportunidade de retificar nome, solicitar vaga de emprego e buscar mais dignidade. A rua não é casa para ninguém”, comentou.
O núcleo tem feito recentes tratativas com outras instituições para a realização de um diagnóstico sobre esse público na Capital.
“Temos a expectativa de que Campo Grande tenha um levantamento que subsidie os com informações, como quantidade, gênero, cor, escolaridade, faixa etária, dentre outras questões, sobre a população em situação de rua existente no município. Esse diagnóstico atenderá a um decreto de 2009, que institui a Política Nacional para a População em Situação de Rua e seu Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento, e principalmente nos possibilitará executar políticas públicas eficientes e assertivas”, explica a defensora.
No Brasil, somente 15 cidades possuem o levantamento, e a expectativa é que município de Campo Grande viabilize o estudo, pois o último censo da Capital é de 2009.
Conforme a coordenadora, um erro comum ao tratar de pessoas em situação de rua é acreditar que todas estão nas mesmas condições e possuem as necessidades iguais. “Não temos como afirmar, atualmente, o perfil de quem está nas ruas, mas nós, que fazemos atendimento, sabemos que são casos distintos e demandas diversas. Nem todos recorrem a substâncias psicotrópicas, muitos possuem emprego e estão sem condições de pagar por moradia, outros necessitam de documentos para acessar uma vaga de trabalho e se organizar para sair desse local. É observado, pela Defensoria Pública, o aumento na quantidade de pessoas nessa situação desde início da pandemia e nós precisamos compreender quem são essas pessoas e do que elas precisam”, ressalta.
Corte de cabelos
Pela primeira vez em parceria com a Defensoria Pública, o projeto Mãos do Bem realizou 80 cortes de cabelo no mutirão.
“É muito gratificante fazer esse trabalho em conjunto porque oportunizamos a inclusão social para pessoas que precisam cortar o cabelo e não têm condições. Além disso, com o forte calor que tem feito, a ausência de um corte muitas vezes provoca doenças nessas pessoas, pois, com o excesso de transpiração em situação de rua, elas ficam mais expostas a doenças no couro cabeludo”, diz o coordenador, Marcos Rogério Andrade Ferreira.
Documentos e saúde
Thalya Bruna Oliveira, que está em situação de rua, conseguiu no mutirão a segunda via do RG e também fez testes rápidos de saúde.
“Antes de conseguir um local para dormir, como tenho hoje no acolhimento, todo dia tinha de ficar em um lugar diferente e, com isso, tive meu RG extraviado. O valor para tirar um novo é muito caro e nunca consegui, hoje deu certo. Também fiz exames, fiquei feliz”, afirmou.
Nova certidão, novo nascimento
O evento marcou uma nova data para Thaisa de Souza Rojas, que foi atendida pela Defensoria Pública de MS para retificar o nome na certidão de nascimento.
“Já tenho nome social, mas não resolveu muita coisa para mim. Em uma unidade básica de saúde, em qualquer órgão público, os atendentes esquecem de prestar atenção e me chamam pelo nome masculino que ainda fica no documento e é muito constrangedor. Eu não me identifico com meu nome masculino e hoje, com essa alteração, é como seu eu estivesse nascendo outra vez”, fala Thaisa, que está em situação de rua.