Doutora e mestre em Antropologia Social, Isabella Kalil.
Em meio a repercussão na mídia nacional e internacional sobre o discurso do então secretário nacional da Cultura, Roberto Alvim, vale resgatar aqui o evento de Direitos Humanos realizado em dezembro passado pela Escola Superior da Defensoria Pública de Mato Grosso do Sul. Nele, a doutora e mestre em Antropologia Social, Isabella Kalil, destacou os reflexos do discurso de ódio na atualidade.
Roberto Alvim fez um discurso no qual usou frases semelhantes às usadas por Joseph Goebbels, ministro da Propaganda de Adolf Hitler durante o governo nazista.
Devido ao discurso, Alvim foi exonerado de seu cargo nesta sexta-feira (17).
O nazismo, dentre suas múltiplas facetas, notoriamente propaga nítido discurso de ódio.
Evento
O encontro foi aberto pelo defensor público-geral, Fábio Rogério Rombi da Silva, que, ressaltou a importância da discussão do tema.
“Parece um absurdo falar em luta de garantias constitucionais, já que todo estudante quando estuda a constituição aprende que ela é a norma mais elevada dentro do ordenamento jurídico, e que o texto tem um grau de eficácia que supera qualquer outra norma. Mas, isso é aula teórica, pois o dia a dia nos mostra que a Constituição demanda de uma luta. Porque não é natural que esses direitos sejam respeitados, infelizmente”, afirma.
Defensor público-geral, Fabio Rogério Rombi da Silva.
Na sequência, a diretora da ESDP, defensora pública Camila Maués dos Santos Flausino, fez questão de fazer um breve balanço sobre os importantes temas abordados em eventos realizados pela escola.
“É gratificante encerrar 2019 abordando um tema tão importante como este relacionado aos Direitos Humanos. Aproveito para lembrar que, apenas no segundo semestre realizamos mais de 20 eventos gratuitos e abertos a comunidade. Neles, provocamos a reflexão sobre a situação dos indígenas, população LGBTQI+, refugiados, emigrantes e muitos outros”, disse a diretora.
Além disso, a defensora pública também lembrou os presentes sobre a escolha dos temas abordados nos eventos da ESDP.
“A Escola Superior organiza esse calendário sempre atenta às demandas atuais e observando as necessidades de atualização dos colegas defensoras e defensores públicos, assessores, servidores e a sociedade. Assim, reforçamos que a seleção dos temas é feita de forma democrática, aberta a quem tem interesse em colaborar com propostas e projetos”, disse.
Diretora da ESDP, defensora pública Camila Maués dos Santos Flausino.
Palestra
Em seguida, a doutora Isabela Kalil prosseguiu com a palestra “Estado de Direito e Estado Mínimo: Os reflexos do crescimento de condutas de ódio e a luta pelas garantias constitucionais”, que foi destaque na mídia, em reportagem especial do jornal Campo Grande News.
Na matéria, a antropóloga mostrou como uma série de posturas, também nomeadas como discurso de ódio, se materializam em ações concretas, que vão desde projetos de lei que atropelam os direitos humanos, até como a polícia faz uma abordagem.
“A consequência disso é que o discurso define quem vive e quem morre”, destacou a doutora.
Um exemplo recente desse comportamento, segundo Isabella, foi o caso de Paraisópolis (SP), onde nove jovens foram mortos e 12 ficaram feridos, durante dispersão feita pela Polícia Militar.
“De tanto a gente entrar na criminalização da pobreza, na criminalização do funk, da favela e das periferias, a gente escuta pessoas comuns, que são relativamente boas, dizendo que a polícia matou pouco ou que mais um CPF foi cancelado”, pontua.
Ainda como consequência do discurso de ódio, conforme a doutora, há o fortalecimento de grupos que são contra os direitos humanos.
“Esses grupos estão se tornando cada vez mais fortes e a sociedade está alargando a tolerância para algo que é intolerável”, disse.
Outra reflexão proposta pela especialista foi o surgimento desse discurso de ódio na sociedade.
Evento atraiu grande público na Escola Superior.
“Como se chegou aos discursos de ódio? Essa é a principal pergunta. Realmente eles apareceram nos últimos anos com força e hoje é um dos principais desafios da justiça brasileira. E ainda existe um comportamento baseado na escravidão e na desumanização. A sociedade carrega um legado escravocrata e a democracia é muito recente. Viver em regimes autoritários, infelizmente, ainda é muito familiar no País”, pontua.
Por fim, a doutora lança uma proposta de como lidar com este discurso. “Como sobreviver? A primeira questão é identificar isso que estamos chamando de discurso de ódio. Temos que ter uma postura muito mais firme como sociedade para dizer que isso tudo não é tolerável. Por outro lado, é necessário educar e informar”, conclui.
Currículo
Isabella Kalil – Doutora e Mestre em Antropologia Social pela Universidade de São Paulo (USP). Docente da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), onde coordena o Núcleo de Etnografia Urbana e Audiovisual (NEU) e pesquisa manifestações políticas no espaço público, gênero e conservadorismo. Atuou como pesquisadora visitante na Universidade de Columbia, no Estados Unidos e é pesquisadora do fórum Sexualit Policy Watch, onde integra o painel de pesquisa internacional sobre gênero e política na América Latina (realizado simultaneamente na Argentina, Brasil, Chile Colômbia, Costa Rica, Equador, México, Paraguai, Peru e Uruguai).
(Texto: Guilherme Henri)