Na semana em que foi celebrado o Dia Nacional da Consciência Negra, a Escola Superior da Defensoria Pública (ESDP) reuniu especialistas para falar sobre Racismo Institucional em três frentes: segurança pública, saúde e educação.
O coordenador do Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos (Nudedh), Mateus Augusto Sutana e Silva, foi o mediador das aulas e a diretora da ESDP, Camila Maués dos Santos Flausino, fez a abertura do evento.
Introdução
O mestre em psicologia e coordenador de pesquisa no Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (GAJOP) – UnB, Igo Gabriel dos Santos Ribeiro fez um retrospecto do histórico de opressão e violência do Brasil “de pelo menos 500 anos, e sendo esses uma boa parte de escravização, de expurgação de terra, de corpos e de gente”, afirmou.
Raça, de acordo com o palestrante, não é um conceito biológico. “Geneticamente somos todos iguais, mas é importante destacar que socialmente é um conceito que diferencia e se transformou em um sistema de hierarquização, que define o nosso modo de ser e agir e o funcionamento das instituições”, explicou.
Igo diz que “o racismo pode ser entendido como sistema de dominação, que é produto do projeto colonial que ocorreu por meio da imposição e universalização do sistema de valores econômicos, sociais, religiosos, culturais e estéticos. Se hoje a gente associa a imagem da população branca ao positivo e a da negra ao negativo, isso tem a ver com esse projeto colonial de desbravação e sequestro de povos e terras, nas Américas e outros territórios”.
O racismo se expressa de determinadas formas, entre elas o racismo individualista, conforme definições de Silvio Almeida e Adilson Moreira. Este é entendido como uma espécie de patologia e se encontra na dimensão ética ou psicológica do sujeito. Também é atribuído a grupos isolados ou ainda a uma irracionalidade que deve ser combatida no campo jurídico.
“Esta concepção pode não admitir a existência do racismo, mas somente do preconceito, a fim de ressaltar essa natureza psicológica do fenômeno em detrimento da natureza política. Essa ideia não é suficiente e não dá conta da complexidade do fenômeno”, explica o pesquisador.
Racismo Institucional
Saindo da dimensão do indivíduo, há o racismo institucional, que faz parte do funcionamento do Estado e é estrutural. “A desigualdade racial é uma característica da sociedade não apenas por causa da ação isolada de grupos, mas fundamentalmente, pois as instituições a utilizam como mecanismo para impor seus interesses econômicos. E o que isso quer dizer? Se quem está nos espaços de poder é a parcela branca, não tem como falar de racismo numa concepção individualista. O estado funciona de modo racista, dinamizando e atualizando os mecanismos por onde o racismo opera”.
E os impactos a população negra são vistos cotidianamente. Igo explica que ele pode ser identificado quando pessoas são impedidas de ter acesso a uma instituição, quando os serviços são servidos de forma discriminatória, quando as pessoas não conseguem acessar determinados postos de trabalho e quando as chances de ascensão profissional são diminuídas. Neste último caso, cita como é visível que os postos de gestão e poder são raramente ocupados por pessoas negras.
“Na concepção estrutural, as instituições são apenas a materialização de uma estrutura, de algo que é muito maior ou de um modo de socialização que tem o racismo como um de seus componentes. De um modo bem simples: as instituições são racistas porque a sociedade é racista, pois o estado é racista. Para mudar isso tem que atuar em todas as frentes, pensando em políticas públicas”.
Segurança Pública
Igo Ribeiro destacou que o racismo reflete nos números da segurança pública. Um dado assustador aponta que em 2017, 75,5% das vítimas de homicídios foram pessoas negras. A região norte e nordeste lidera o levantamento. No atual cenário a alta letalidade de jovens gera fortes implicações inclusive no desenvolvimento econômico e social. De fato, a falta de oportunidades que levavam a 23% dos jovens a não estarem estudando e trabalhando em 2017, aliada a mortalidade precoce da juventude, impõe severas consequências ao futuro da nação.
Para o pesquisador, a visão econômica das consequências de mortes de jovens negros é outra faceta do racismo institucional. “O sujeito negro não gera comoção. Não se pensa que estas pessoas têm famílias. Além disso, sabemos que os jovens que cumprem pena são em sua maioria negros e sabemos que jovens brancos também cometem infrações. É uma escolha sofisticada de quem vai ser condenado e quem vai ser absolvido. Um problema é que há pouca referência aos impactos que ultrapassam a questão econômica. Algumas pessoas já estão cansadas de ouvir e eu já estou cansado de falar, pois ano após ano a gente vê esse crescimento em curso”.
Educação
Lourival dos Santos, Doutor e Mestre em História Social e professor associado da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) falou sobre a omissão nos currículos dos cursos que formam professores de disciplinas sobre a história de povos negros.
“Excluindo três ou quatro, em todos os cursos de graduação de história em universidades públicas têm pelo menos oito semestres de história da Europa, seis semestres de história do Brasil e um semestre, quando tem, de história da África. Na UFMS de Campo Grande, por exemplo, não tem”.
O professor citou uma obra da Eliane Cavalleiro, em que crianças negras de 4 a 6 anos já apresentavam uma relação negativa ao grupo étnico pertencente. Em contrapartida crianças brancas revelavam um comportamento de superioridade, assumindo em diversas situações atitudes preconceituosas, xingando e ofendendo as crianças negras atribuindo caráter negativo a cor da pele. O professor afirmou que no estudo, os educadores não conseguiam lidar com o problema preferindo o silêncio. “Não é tanto a questão de cor, entra tudo, então o preconceito é sobre tudo, não é só cor. É de raça, de língua, de estado, de sotaque, de idade. O preconceito é mais geral”, diz uma professora no livro “Do Silêncio do Lar ao Silêncio Escolar: Racismo, Preconceito e Discriminação na Educação Infantil”.
Em outras situações, as professoras tentam resolver o problema realçando a beleza em ser negro. “Normalmente a criança fala: fulano me xingou de preto e ela diz como se fosse algo muito ruim ser preto. Vou e digo você não é preta é negra, é lindo ser negra. Isso é muito perigoso. Essa qualificação que vem sempre antes da questão profissional, elogiar a beleza das mulheres”, diz Lourival em outra leitura.
“Como a escola se omite, os professores de história muito bem intencionados focam na questão da escravidão, com imagens de negros sendo açoitados. O problema é que uma menina ou menino negro vai olhar aquela imagem e não vai ter empatia, pois quando você é pequeno, você quer ficar do lado de quem bate ou apanha? Então, a reação da criança é: eu não sou isso aí. Então, a professora bem intencionada está criando um problema para a autoestima das crianças”.
Saúde
Anísio Guató, pós-graduado em Educação Popular e Conselheiro Municipal e Coordenador do Fórum dos e das Usuárias do SUS em Corumbá MS, além de coordenador do Fórum Estadual de Educação Permanente de Saúde - SUS MS falou sobre o racismo institucional na saúde.
Em sua fala, destacou que mulheres não brancas sofrem mais violência no sistema único de saúde. “De acordo em estatísticas do Ministério da Saúde e da Organização Mundial da Saúde (OMS), 54,1% das mortes maternas no Brasil ocorrem entre as mulheres negras de 15 a 29 anos e mulheres não brancas recebem com menos frequência recursos para alívio da dor durante o parto”, afirmou.
Consciência Negra
O Dia Nacional da Consciência Negra é comemorado todo dia 20 de novembro, com alusão à morte de Zumbi dos Palmares, em 1695, um dos maiores líderes negros do Brasil que lutou contra o sistema escravocrata.
Texto: Lucas Pellicioni